sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

DUBAI


Mais uma surpresa negativa no cenário económico internacional evidencia os riscos de mercados financeiros engolfados em liquidez oficial e ávidos por oportunidades para ganhos maiores que as tradicionais aplicações sem risco.
As oscilações do dólar tornam os títulos do Tesouro voláteis. Os actores não são só especuladores de curto prazo em busca de ganhos rápidos de arbitragem entre alternativas financeiramente equivalentes, mas também gestores de riqueza e de fundos de pensão que precisam ter investimentos compatíveis com as necessidades de seus depositantes.O terremoto que abalou a confiança nos títulos de dívida da estatal Dubai World motivou um exame com lupa das características de Dubai. O primeiro olhar revelou a fragilidade das garantias com que contavam os aplicadores, de que não só o governo do emirado, mas também os vizinhos mais próximos - especialmente Abu Dabi - seriam solidários com as dívidas contraídas para os ambiciosos investimentos imobiliários associados à transformação de Dubai no principal centro financeiro e de negócios do Oriente Médio, um sucessor moderno da tumultuada Beirute. Quando vistas de perto, revelam-se fragilidades na recuperação da economia global em 2010.
Poderão os gastos privados nos EUA prosseguir, quando cessarem os efeitos da extraordinária expansão fiscal e monetária em andamento? A razão da suspeita é que os bancos sob sustento dos governos continuam alavancados demais e expostos a riscos altamente dependentes da rapidez e do alcance da recuperação.O Citi adquiriu US$ 8 mil milhões dos títulos agora sob stresse, usando fundos de socorro financiado pelo dinheiro dos contribuintes americanos. Levará mais tempo a recomposição dos balanços dos bancos que foram atingidos pela crise anterior. Com menor confiança nos balanços dos bancos, aumenta a probabilidade de nova onda negativa, se faltar crédito para o consumo das famílias americanas. Obstáculos à continuidade da recuperação internacional em 2010, por sua vez, dificultam a recuperação dos balanços dos bancos.Assim, a correção do excesso de liquidez internacional esbarra na exposição dos bancos internacionais a riscos em vários países. O excesso de liquidez nos EUA e na Europa exacerbou a atratividade de activos em outros países, dando-lhes a característica de bolhas especulativas. Quando reveladas, piora a situação dos bancos. Não é preciso uma lupa potente para ver a fragilidade dos novos centros financeiros, que replicam as práticas dos mercados ocidentais sem que tenham base institucional. É mais difícil avaliar os riscos que os investidores correm em praças com instituições políticas e processos decisórios pouco transparentes, como os emirados, a China, a Índia, a Rússia, Cingapura e mesmo alguns países da América Latina, que se beneficiam hoje da abundância de liquidez.
O incidente de Dubai sublinhou a fragilidade das reputações soberanas, o que trouxe à memória os exemplos da Tailândia, em 1997, e da Irlanda e da Islândia, em 2007, que ampliaram os círculos de contaminação da crise bancária. De quebra, lançou um incómodo foco de luz sobre países cujas dívidas públicas denunciam situação fiscal insustentável, a exemplo da Grécia.Em Dubai, uma contaminação positiva alimentava a confusão de um centro financeiro e de lazer que serve aos vizinhos superavitários produtores de petróleo com os próprios países clientes. Na hora da captação, a confusão entre o visual grandioso dos investimentos imobiliários e turísticos com a rentabilidade das atividades ligadas à exploração e exportação de petróleo é benéfica. Como se viu, é espantosa a rapidez com que se propaga a decepção quando os analistas "descobrem" que o alto endividamento (o país com PIB de US$ 50 mil milhões deve US$ 90 mil milhões) não dependia só dos gastos dos vizinhos ricos, mas também da atratividade que um centro desse tipo exerça sobre turistas de alto padrão em toda parte do mundo.O episódio ilustra os limites práticos a que estão sujeitos os fluxos financeiros atraídos por retórica oficial ufanista.
A atual recuperação brasileira está a ser exacerbada pelo excesso de gastos públicos e de crédito, bem como pela ocupação da mídia com mensagens enganosas sobre o progresso de empreendimentos em andamento. Nesse ambiente de negócios, a propaganda sobrepuja a informação como fonte para a tomada de decisões importantes de investimentos. O que uma lupa revelará sobre o Brasil acerca dos processos decisórios que têm predominado na condução do País?
In. O Estado de S.Paulo

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